
Os dias se passaram como férias de verão. As incertezas recheavam os fins de tarde, me fazendo flutuar naquele vapor incessante, rumo a sabe-se lá onde. Eram três meses e vinte oito dias de inércia. Quando a guerra chega para quem se ama, não há remédio melhor que a dúvida. Agora que me via próxima ao que me forcei não imaginar, não me envergonhava de pedir a deus que rolasse os dedos sob os ponteiros. O torpor da espera, de fato, já me parecia mais confortante.
Abri os armários girando lentamente as maçanetas, como se não houvesse tempo a perder. Olhei para as fileiras desordenadas de cabides mal pendurados e puxei o que me parecia o traje mais óbvio. Nunca havia me considerado pessimista, porém, diante das circunstancias mais básicas de uma batalha e das porcentagens que assombravam as manchetes de jornal, não me renderia a audácia de usar um amarelo colibri. Era tempo de parir o rombo que habitaria meu peito a partir daquela manhã.
O café da madrugada anterior permaneceu intacto e altamente atraente. Engoli o que restava sem notar o aviso amargo da borra que escorria garganta abaixo. No momento, aquele gosto não poderia ser mais apropriado.
Desde que ele se fora, nunca me permiti pensar que voltaria. Aos 9 anos de idade, minha mãe me dera um aquário com um casal de peixes. Um dia, Antônia girou sob a nadadeira e eu pude notar a saliência. Planejei tudo para a chegada dos filhotes e criei uma lógica que, de acordo com o limite máximo já registrado de girinos, todos os pequenos já teriam nomes, levando em conta a probabilidade básica dos sexos. Passei dias com a cara grudada ao vidro, esperando qualquer sinal.
Em uma manhã de chuva rala e sol indeciso, acordei com minha mãe ao pé da cama. “Eles comeram. Isso acontece, minha filha. Era provável.”. Desde então, se eu cultivasse algum desejo por qualquer coisa, eu não poderia me convencer de que era possível. O mais provável seria, para sempre, inatingível.
Caminhei alguns metros e logo notei o ruído de portas vizinhas anunciando outros passos que acompanhavam minha marcha fúnebre. Por algum motivo, aquelas mulheres pareciam esconder uma esperança velada. Como poderiam? Como seriam capazes de sorrir do que não sabem ser o destino que lhes agradavam?
Caminhei até a porta do cais, cedo demais. O barco apontava ao leste deslizando tão lentamente quanto as nuvens escuras que encobriam o sol. Um baque, um fluxo de alguma substancia muito traiçoeira invadiu minhas aterias. Me apoiei em um tronco tão desequilibrado quanto eu. Era uma chuva rala que batia em minha nuca, arrepiando-me não pela umidade e sim pela lembrança. O sol entrava por dentro das nuvens e se desfazia delas com tal descompromisso, que, de repente, fui transportada à aquela manhã onde a espera havia desabrochado em tragédia.
Os peixes haviam comido os filhos assim como eu havia me alimentado de uma esperança muda que, agora, gritava por todos os lados. Ele não voltaria, era a afirmação de um provável nada hesitante. Mergulhei naquela chuva de maneira que, se fisicamente possível, haveria agonizado em poucos segundos. Logo notei que o barco saltara do horizonte a beira e todos os navegantes estavam infernalmente parecidos.
Tentei me livrar das lágrimas acumuladas que prejudicavam minha visão, mas foi inútil. A correnteza que partia do meu peito havia escolhido meus olhos para se esvair. O desespero que me tomava começou a soar como pretensão, pois os casais se formavam lentamente, deixando um exército de desilusão para trás.
Não quis esperar para que o cais vazio me acordasse com a notícia que já compunha a última estrofe de minha vida, me virei sem pensar duas vezes e me juntei ao grupo que me pertencia. De tanto imaginá-la, a caminhada de volta poderia ter sido feita de olhos fechados, ao menos o desfecho não seria desavisado.
“Isabel!”. E assim eu descobri: a esperança não é amarga. Ela é doce. Como um beijo debaixo de uma chuva rala e de um sol indeciso.